domingo, 22 de maio de 2011

Sendo breve tenho tempo,
o que se escreve no espelho.
Uma comida com tempeiro
Corrida pro banheiro, tiro certeiro!
Maçã no cabelo, olho no carteiro
mundo aberto ao meio
tantas batidas me despenteio
por dentro aberto, assim veio.
Tudo em nada creio,
meu cavalo aqui apeio
nada lhe disse, estava em seu seio.
Confesso que compraria um mapa,
mas é que não tenho freio!

sábado, 21 de maio de 2011

torpor, um fio

A cada dia eu fico mais enganchado nas cordas da minha guitarra. Eu só queria repetir o que eu disse ontem. Porque realmente sinto tudo como um turbilhão, um puta turbilhão premeditado. Que sei de tudo, acho bonito enquanto não acaba e depois penso como seria bom não ter ido tão longe e ter passado umas boas horas deitado no meu sofá, tocando uns solos primários enquanto meus pais dormem tranqüilos um sono de que sou bom filho. Porque eu sou, eles só não entenderiam a distorção da minha música. Tudo é descompassado. Eu sou o cara certo no lugar errado, para a pessoa distante. A arte imita a vida, esse é o problema. Tudo é fingido, todos são fingidos, eu sou fingido. Me sinto um fantoche do destino. Oh plenitude, onde se perdeste? Em que vida me abandonaste? Agora que sinto meus dedos cansados pelo fim do torpor é que vens aparecer, com o seu passo silencioso e já indo embora. Eu sei de tudo, não sei de nada, senão faria as coisas certas. Nem pareço com o que escrevo, me remoendo pelo pleno. Senão não romperia minhas cordas e choraria por um som ambiente para repousar as ideias. Nunca consigo chegar ao fim de minhas tortas composições. Mas queria tanto ficar velho num sítio no meio do verde, numa casa de madeira com a minha mulher a agüentar minha falta de sanidade e minha falta de sorte de ganhar do destino. Acho que nunca vou conseguir escrever bem o que sinto. Ah soma total do desastre, quando chegarás com o esquecimento? Eu só escrevo porque quero ser ouvido e mesmo assim quero parecer sozinho no quarto. Eu só quero desafogar, espero a plenitude quando eu morrer.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Carta de desabafo a um estranho

Prezada Úrsula Bacamarte


Fiquei muito contente hoje com Angélica nos ter apresentado. Tenho 21 anos e faço jornalismo. E entendendo um pouco como tudo é muito escorregadio, como mais que o plano de um governo cheio de brechas, não há algo dentro daqueles corpos que andam, falam e comem e dormem. Me pergunto a que ponto o egoísmo chegou, até que ponto o costume mudou toda uma montanha infindável de cabeças no ar. Até que ponto chegamos a acumular bens materiais mais que sensações e consciência limpa. Até que ponto cegos, vetados de possuir um pouco de alma, de ver qualquer coisa que seja verdadeira e chorar sem motivo, só pra lavar. Acho que é isso, chorar pela batalha de ontem, pela batalha de hoje e de antecipação pela que virá. Acho que quando gargalho de chorar e derramo gotas espessas são pelas longas que ainda virão. Preciso sair desse mundo, ficar à parte desse chão que me tira os passos. Preciso caminhar antes de me encostar numa rede no litoral e viver de livros e brisa, e eu sei disso. Por isso preciso me sentir vivo. E eu sei que o problema está com quem não sente nada disso. Mais do que as lições e teoria na faculdade. Sou muito perdido, esse é o meu defeito, sou perdido num tempo longínquo, não me situo, na verdade nem sei me relacionar com pessoas direito. Sou o anti-social mais sociável que conheço, apenas confuso e confesso que louco, ou eles seriam os loucos? Já deve ter se tornado comum pra mim pensar que eu sou louco, só agora me dei conta. Eles são os loucos. Vamos morrer e ter algo pelo que viver. E mostremos a que carregamos sangue no corpo, para derramar e não para dizer que é vermelho. Uma hora eles nascem pedra. Uma hora muda. Ah, muda!!

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Pobre indelével, prove da vida, cumpra sua parte, use da vida, beba da arte, coma da vida, faça jus a seu nome, debrulhe a espiga. Taquicardia e insônia se unem em liga para lhe aumentar as horas vividas. Seu material, o veículo, vista-o na vida, costuras leves seguram-lhe no tempo, espere os invisíveis ponteiros, esqueça de tudo antes e siga.




~o trabalho sempre interrompe a poesia, o grampeador caiu...

O desabitado

ESTAÇÃO INVENCÍVEL! Nos lados do céu um pálido aquilão se acumulava, um ar desbotado e invasor, e na direção de tudo o que olhos abarcavam, como um leite espesso, como um cortinado endurecido existia, continuamente. De modo que o ser se sentia isolado, submetido a sua estranha substância, cercado de um céu próximo, com o mastro partido diante dum litoral alvacento, abandonado pelo sólido, diante dum transcurso impenetrável numa casa de névoa. Condenação e horror! De haver estado ferido e abandonado, ou haver recolhido as aranhas, o luto e a sotaina. De haver-se emboscado, fortemente enfastiado deste mundo, e de haver conversado sobre esfinges e ouros e fatídicos destinos. De haver amarrado a cinza à roupa cotidiana, e haver beijado a origem terrestre com o seu sabor a esquecimento. Mas não. Não.
Matérias frias da chuva que caem sombriamente, pesares sem ressurreição, olvido. Na minha alcova sem retrato, na minha roupa sem luz, quanto espaço eternamente permanece, e o lento raio reto do dia como se condensa até chegar a ser uma só gota escura.
Movimentos tenazes, veredas verticais, a cuja flor final às vezes se ascende, companhias suaves ou brutais, portas ausentes! Como cada dia um pão letárgico, bebo de uma água segregada!
Uiva o serralheiro, trota o cavalo, o cavaleiro empapado de chuva, e o cocheiro de comprido chicote tosse, o condenado! O demais, até bem longas distâncias, permanece imóvel, coberto pelo mês de junho, e as suas vegetações molhadas, os seus animais calados, unem-se como ondas. Sim, que mar de inverno, que domínio submerso trata de sobreviver, e, aparentemente morto, cruza de longos velames mortuários esta densa superfície?
Com freqüência de entardecer acontecido, encosto a luz à janela, e me espio, sustentado por madeiras miseráveis, estendido na umidade como um ataúde envelhecido, entre paredes bruscamente fracas. Sonho, de uma ausência a outra, e a uma outra distância, recebido e amargo.


P. Neruda








~há a angústia, a serenidade, e o esquecer de si

Sobre ser só

Eu vou transcrever em dois atos nessas páginas amareladas o homem mais só dos Buendía, o coronel Aurealiano. Talvez eu tenha algum parentesco distante...



Naquela noite interminável, enquanto o Coronel Gerineldo Márquez evocava as suas tardes mortas no quarto de costura de Amaranta, o Coronel Aureliano Buendía arranhou durante muitas horas, tentando rompê-la, a dura casca da sua solidão. Os seus únicos momentos felizes, desde a tarde remota em que seu pai o levara para conhecer o gelo, haviam transcorrido na oficina de ourivesaria, onde passava o tempo armando peixinhos de ouro. Tivera que promover 32 guerras, e tivera que violar todos os seus pactos com a morte e fuçar como um porco na estrumeira da glória, para descobrir com quase quarenta anos de atraso os privilégios da simplicidade.



Na mesma noite em que a sua autoridade foi reconhecida por todos os comandos rebeldes, acordou sobressaltado, pedindo aos gritos uma manta. Um frio interior que lhe rachava os ossos e o mortificava inclusive em pleno sol impediu-lhe de dormir bem por vários meses, até que se transformou num hábito. A embriaguez do poder começou a se decompor em faixas de tédio. Procurando um remédio contra o frio, mandou fuzilar o jovem oficial que propôs o assassinato do General Teófilo Vargas. As suas ordens eram cumpridas antes de serem anunciadas, mesmo antes que ele as concebesse,
e sempre iam muito mais longe do que ele se atreveria a fazê-las chegar. Extraviado na solidão do seu imenso poder, começou a perder o rumo. Incomodava-o o povo que o aclamava nas aldeias vencidas, e que lhe parecia o mesmo que aclamava o inimigo. Em toda parte encontrava adolescentes que o olhavam com os próprios olhos, que falavam com a sua própria voz, que o cumprimentavam com a mesma desconfiança com que ele os cumprimentava, e que diziam ser seus filhos. Sentiu-se jogado, repelido, e mais solitário do que nunca. Teve a certeza de que os seus próprios oficiais lhe mentiam. Brigou com o Duque de Marlborough. "O melhor amigo," costumava dizer então, "é o que acaba de morrer." Cansou-se da incerteza, do círculo vicioso daquela guerra eterna que sempre o encontrava no mesmo lugar, só que cada vez mais velho, mais acabado, mais sem saber por que, nem como, nem até quando. Sempre havia alguém fora do círculo de giz. Alguém que precisava de dinheiro, que tinha um filho com coqueluche ou que queria ir dormir para sempre porque já não podia suportar na boca o gosto de merda da guerra e que, entretanto, reunia as suas últimas reservas de energia para informar: "Tudo normal, coronel." E a normalidade era precisamente o mais terrível daquela guerra infinita: não acontecia nada. Sozinho, abandonado pelos presságios, fugindo do frio que havia de acompanhá-lo até a morte, procurou um último refúgio em Macondo, ao calor das recordações mais antigas. Era tão grave a sua inércia que quando lhe anunciaram a chegada de uma comissão do seu partido, credenciada para discutir a encruzilhada da guerra, ele se mexeu na rede sem acordar de todo.

- Levem-nos às putas - disse.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Essa noite uma borboleta dormiu no meu quarto. Sou criança e tenho medo que enquanto estivesse dormindo, ela pousasse suas pequenas patas de inseto sobre meu rosto. Porque a borboleta é um inseto, já me disseram isso na escola, embora ela seja bonita com suas asas que veem. Eu tentei espantá-la da minha cortina, e abri a janela para que ela voasse, mas ela continuou achando que a haste era poleiro. Por fim não consegui e desliguei o ar condicionado. Afinal borboletas devem sentir mais frio que pessoas e eu não queria matá-la congelada. Quando eu já tinha desistido de expulsá-la dali, já tinha dito que minha parede é verde, mas é sintético, e que aquela borboleta grande e colorida era um presente e não podia voar como ela, porque era de papelão. Foi que ela bateu um pouco as asas e dessa vez se agarrou no marrom do meu guarda-roupa. Quase camuflada, por exceção dos olhos nas suas asas que me olhavam com calma enquanto eu pensava aflito que se adormecesse ela andaria na minha cara. Tornei a conversar com ela, que não era por nada, que eu não tinha medo. Mas que quando mais novo uma vez um rato entrou e se escondeu embaixo do sofá, na sala do lado do meu quarto. Morreu lá antes de meu pai tirá-lo e povoou meus sonhos por um tempo. Acordava de um pulo só pensando que ele passeava na minha cama. Acordava no meio da noite para ver se não achava nada no colchão. Ela se mexeu um pouquinho e pensei que reclamou por tê-la comparado com um roedor que podia matar com o seu xixi. Eu me apressei em me desculpar que não, que ela era muito mais bonita, que ela tinha o céu e asas nas costas e que quando eu pulava nem tocava no teto. Acho que ela me desculpou porque não se mexeu mais. Já era tarde e eu tinha aula no outro dia. Não tive alternativa a não ser pedi-la para não pular em mim. Que de manhã minha mãe abriria as cortinas e janelas, e no claro ela veria o verde do jardim e suas amigas passando, e ela podia ir para casa comer e brincar como borboleta. Acordei no outro dia e ela estava no mesmo lugar, paradinha. Acho que ainda dormia, era cedo demais para as borboletas. Alisei suas asas e falei que podia ficar se quisesse. Todo dia a cumprimentava e fazia carinho nela; comecei bem de leve com o dorso do dedo, que era quase do mesmo tamanho de seu corpinho. Até que um dia passei meu dedo pelo lado da palma. E ela gostava. Achei tão engraçado o jeito dela se cobrir com suas asas quando eu liguei o ar condicionado no segundo dia. Não sei o quê aconteceu, nem cheguei a arejar o quarto... pensei que ela ia ficar para sempre.











~um amanuense não vive só de contos. Precisa de papel pra escrever que fez isso e aquilo, só pra escrever. Fiquei muito triste de não ter tirado foto dela antes de partir. Como sou materialista...

domingo, 1 de maio de 2011

Quando a gente tá contente
Tanto faz o quente
Tanto faz o frio
Tanto faz
Que eu me esqueça do meu compromisso
Com isso e aquilo
Que aconteceu dez minutos atrás
Dez minutos atrás de uma idéia
Já deu pra uma teia de aranha
Crescer e prender
Sua vida na cadeia do pensamento
Que de um momento pro outro
Começa a doer

Quando a gente tá contente
Gente é gente
Gato é gato
Barata pode ser um barato total
Tudo que você disser
Deve fazer bem
Nada que você comer
Deve fazer mal
Quando a gente tá contente
Nem pensar que está contente
Nem pensar que está contente
A gente quer
Nem pensar a gente quer
A gente quer, a gente quer
A gente quer é viver













~barato total cantada por gal, fale por si só. Sou um amanuense por dom. A vida que escolheu por mim. De a mãos nuas escrever nesses papeis remendados e amassados. Minha cor ainda verde não parece condizer com minha profissão. Mas sinto tanto, do que passou, do que não e do que ainda vai que fico choroso só de lembrar. Sopro de vida, não se explique. Me assopre.