quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A divina comédia - Dante Alighieri

E eis que, ao subir da encosta, estava alerta
uma ágil onça prestes no seu posto,
que de pelo malhado era coberta;
e sem sair da frente de meu rosto,
tanto impedia aquele meu destino,
que a vir-me embora me senti disposto.
Tempo era do príncipio matutino,
e o sol ia subindo co as estrelas
que eram com ele quando o amor divino
moveu primeiro aquelas cousas belas;
e de bem esperar me eram razão
da fera em gaia pel' malhas daquelas,
e a hora do tempo e doce a estação;
mas não foi sem que medo aí me desse
a vista que então tive de um leão.
Pareceu que ele contra mim viesse
cabeça erguida e enraivecida fome,
que o próprio ar julguei que estremecesse.
E uma loba a quem a gana come
trazendo-a por só carga da magreza
e a muita gente já de dor consome,
tal susto me inspirou e tal surpresa
co medo que infundia sua vista,
que a esperança em subir me era defesa.
E como quem os ganhos que conquista,
chegado o tempo que a perder o abala,
em seu pensar só chora e se contrista;
assim sem paz a fera me encurrala,
a vir ao meu encontro, pouco a pouco,
e a empurrar-me lá onde o sol se cala.
E enquanto eu para baixo me desloco,
aos meus olhos se ofereceu de perto
quem por longo silêncio julguei rouco.
Quando eu o avistei no grão deserto,
"Ah, Misereme me" ali pedia,
"quem quer que sejas, sombra ou homem certo!"

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