domingo, 30 de outubro de 2011

Augusta angústia

Benditos grilhões em mim; tomam minhas asas e me pedem o céu como remédio. Para viver sem onde que não injeções exangues, enquanto mantenho controle das pálpebras, apenas de creme minha pele ensebo. Escorrego no tempo como quem não quer esquecer para então viver como verme. E sei que assim pela metade apedrejo meu caminho à frente. Antes tranquilo percorresse enquanto não o avisto quando suas curvas descem a montanha. Com coração rachado ando e dividido amo à torta coluna o ser inquebrantável. A augusta angústia delimita o lado que meus pés pisam. Escrevo para o papel branco, sou poeta morto. Sofro porque quero. Minha pele tenaz amolece e contagia meu ego, adquiro linha de tempo o suficiente para suturar minha alma liberta.

À terra, os insetos de casca altiva

Escorpiões por cima do calendário
olhos abertos ou fechados
em morte ou vida, sem retalhos
seus indícios.
Se cria nome seu veneno
no telúrico vício
o oposto do pleno.
Dor, o cume do precipício
é luz, antena sensível que aponta
em contas anteriores, desvencilham-se
quando sem falsidade clamam:
dias de glória e culpa.

sábado, 29 de outubro de 2011

Fantasia

eu fantasio o fundo do rio
eu fantasio a mão no cio
eu fantasio o pai e o filho
eu fantasio o um dos mil
eu fantasio o olho que viu
eu fantasio a vida num fio
linha do tempo, explodais
seu pavio devagar.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ser humano

quando mais me angustio
é que mais fico em cio
aí não estou sozinho
pondo ou não filho
duro se disso me omito
dor na glória vira cisto
sou humano

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Como salmo

canta minha alma
em canto de sala
fala o que tem
calma
não esbraveja, não cai
cachoeira
despenca em água
sal na ferida, sem
choradeira
vem como salmo
prá uma vida inteira
afã árduo em ida
sai como lira
aos olhos de outrem
revés que não se vive
amém.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A divina comédia - Dante Alighieri

E eis que, ao subir da encosta, estava alerta
uma ágil onça prestes no seu posto,
que de pelo malhado era coberta;
e sem sair da frente de meu rosto,
tanto impedia aquele meu destino,
que a vir-me embora me senti disposto.
Tempo era do príncipio matutino,
e o sol ia subindo co as estrelas
que eram com ele quando o amor divino
moveu primeiro aquelas cousas belas;
e de bem esperar me eram razão
da fera em gaia pel' malhas daquelas,
e a hora do tempo e doce a estação;
mas não foi sem que medo aí me desse
a vista que então tive de um leão.
Pareceu que ele contra mim viesse
cabeça erguida e enraivecida fome,
que o próprio ar julguei que estremecesse.
E uma loba a quem a gana come
trazendo-a por só carga da magreza
e a muita gente já de dor consome,
tal susto me inspirou e tal surpresa
co medo que infundia sua vista,
que a esperança em subir me era defesa.
E como quem os ganhos que conquista,
chegado o tempo que a perder o abala,
em seu pensar só chora e se contrista;
assim sem paz a fera me encurrala,
a vir ao meu encontro, pouco a pouco,
e a empurrar-me lá onde o sol se cala.
E enquanto eu para baixo me desloco,
aos meus olhos se ofereceu de perto
quem por longo silêncio julguei rouco.
Quando eu o avistei no grão deserto,
"Ah, Misereme me" ali pedia,
"quem quer que sejas, sombra ou homem certo!"

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Sobre sumo de poesia

A competência do romance em prosa diferentemente da da poesia, requer-se antes alinhavar todo esqueleto poético, retirar essência da gota divina que nós humanos recebemos e juntá-la a areia e cimento, para através de nosso cérebro assim materializar uma beleza inintendível, não sem muito esforço. Imaginemos um limão com todo o seu caldo ácido e delicioso, que quando espremido aí está o supra-sumo da poesia. Sendo necessários para um bom romance pouco de açúcar para não deixar doce demais, colher, peneira e mãos esforçadas e pacientes. Crucial lembrar que a paciência remete aos limões maduros; assim tem-se o melhor gosto de prosa em muitas páginas.